Campanha de vacinação nas escolas mobiliza redes sociais, com elogios ao SUS, críticas ideológicas e nova onda de desinformação sobre imunização infantil.

Entre os dias 10 e 25 de abril de 2025, o governo federal promoveu uma ampla campanha de vacinação nas escolas públicas do país, voltada a crianças e adolescentes de até 15 anos. A iniciativa, parte do Programa Saúde na Escola, foi anunciada em cadeia nacional pelos ministros Alexandre Padilha (Saúde) e Camilo Santana (Educação) e movimentou fortemente as redes sociais, com mais de 20 mil menções ao termo “vacina” no período analisado. Destas, apenas 11% foram postagens originais, enquanto 89% consistiram em compartilhamentos e retuítes, revelando a alta viralização do tema.
A campanha se propôs a facilitar o acesso à imunização, atualizando a caderneta vacinal dos estudantes e reforçando a importância da vacinação infantil, num contexto de queda nas coberturas vacinais e retorno de doenças já erradicadas, como o sarampo. No entanto, a medida também reacendeu o enfrentamento com grupos negacionistas e opositores da vacinação, que voltaram a mobilizar conteúdos desinformativos e narrativas alarmistas nas redes sociais.
Entre o anúncio e o início da vacinação
Logo após o pronunciamento conjunto dos ministérios, nos dias 11 a 13 de abril, o tema dominou os debates online. O pico de menções foi registrado no próprio dia 11, impulsionado pelas falas oficiais e pela divulgação de peças institucionais. Nesse momento, perfis negacionistas passaram a criticar a medida, mesmo com a vacina contra a Covid-19 não incluída entre os imunizantes da campanha. Ainda assim, essa vacina foi usada como pretexto para propagar desinformação.
Circulavam vídeos do médico Roberto Zeballos questionando a segurança da vacinação infantil, além de conteúdos antigos da Anvisa fora de contexto, sugerindo riscos como dores no peito e palpitações. A estratégia era clara: espalhar medo entre pais e responsáveis. Influenciadores chegaram a incentivar a ausência escolar durante os dias de vacinação e a sugerir que crianças estariam em risco, com postagens que ultrapassaram 170 mil visualizações.
Curiosamente, enquanto uns atacavam o programa por “vacinar demais”, outros criticavam a ausência da vacina da dengue, chamando o governo de “genocida” — uma amostra do uso político e distorcido da pauta vacinal.
Intensificação dos ataques
Entre os dias 14 e 16 de abril, com o início efetivo da vacinação nas escolas, as redes foram tomadas por conteúdos sensacionalistas. Perfis de oposição chegaram a comparar o ambiente escolar a “campos nazistas de experimento”, chamando as escolas de “laboratórios de farmacêuticas” e acusando o governo de implantar um “programa forçado de vacina”.
Narrativas com apelo emocional foram impulsionadas por hashtags como #EscolaNãoÉPostoDeSaúde e frases como “protejam suas crianças” ou “sacrificarão nossos filhos”. Um vídeo falso — já desmentido por agências de checagem — sobre uma suposta carta internacional pedindo o fim da imunoterapia foi resgatado, reacendendo teorias conspiratórias.
Nesse contexto, o Ministério da Saúde e perfis aliados passaram a rebater as mentiras, com campanhas digitais afirmando que “vacinas salvam vidas” e que “não se deixem enganar por mentiras que colocam seus filhos em risco”. O deputado federal Guilherme Boulos também utilizou suas redes para esclarecer que não há obrigatoriedade nas vacinas escolares. Por outro lado, perfis progressistas passaram a defender a vacinação obrigatória, comparando-a ao uso do cinto de segurança ou da água fluoretada. Também houve manifestações positivas sobre a praticidade da vacinação nas escolas, destacando o alívio para pais que não conseguem levar seus filhos aos postos de saúde.
Falsas relações com autismo e novos episódios de desinformação
No dia 17 de abril, um novo ciclo de desinformação tomou forma com a circulação de um vídeo do político norte-americano Robert F. Kennedy Jr., sugerindo uma relação entre vacinas e autismo. A mensagem foi rapidamente apropriada por opositores da campanha no Brasil, que usaram o conteúdo para desacreditar as vacinas em geral, afirmando que “todos os países do mundo proibiram vacinas da Pfizer para crianças”, o que não é verdade.
Em paralelo, perfis governistas e influenciadores como “O Cafezinho” e a EBC seguiram promovendo vídeos institucionais e reportagens sobre a campanha, destacando momentos como o “vacinaço” em Brasília. Mesmo assim, houve também críticas da esquerda: a psicóloga Rosiane Maria Araújo cobrou a inclusão da vacina da gripe para toda a população e relacionou a omissão à queda de popularidade do governo Lula, enquanto o médico Bruno Filardi questionou o protecionismo a empresas públicas na área da biotecnologia.
Sarampo, a volta do passado
Nos dias 19 e 20, um novo acontecimento deu impulso ao debate: a confirmação de um caso de sarampo em Porto Alegre, após cinco anos sem registros. Perfis progressistas apontaram o episódio como consequência direta da queda da cobertura vacinal, agravada por discursos antivacina da extrema direita. O comunicador Pedro Ronchi foi direto: “Não é coincidência que doenças extintas por vacinas estão voltando em lugares governados pela extrema direita”.
Posts que viralizaram, como o do jornalista Clayson Felizola (com mais de 943 mil visualizações), criticaram duramente a negligência e o negacionismo. Um caso emblemático que causou indignação foi o de um pai que, mesmo após a morte da filha por sarampo, declarou não se arrepender de não ter vacinado. Já do outro lado do espectro político, conteúdos negacionistas seguiam circulando, com acusações de que as vacinas seriam “envenenamento sistemático”.
Covid-19 ainda no centro das polêmicas
Nos dias 23 e 24, as vacinas contra a Covid-19 voltaram a ser alvo prioritário dos negacionistas. Vídeos estrangeiros, supostos estudos não verificados e relatos não comprovados dominaram as redes, buscando vincular vacinas a mortes e doenças neurológicas. As críticas ao “intervencionismo do Estado” e à suposta “ocultação de dados” foram recorrentes. Também circulou uma narrativa de que o país estaria isolado ao manter a vacinação infantil contra a Covid-19.
Enquanto isso, avanços como a inclusão da vacina contra Herpes Zoster no SUS foram celebrados por perfis progressistas como sinal de fortalecimento do sistema público de saúde.
Atuação institucional coordenada e mobilização digital
A análise das interações nas redes revela uma estrutura coordenada de comunicação institucional. Perfis como @minsaude, @padilhando, @camilosantance e @lulaoficial aparecem no centro dos grafos de interação, evidenciando o alinhamento da base governista. Ao lado deles, influenciadores e parlamentares reforçaram a mobilização pró-vacinação, enfrentando ondas de desinformação com mensagens de confiança na ciência.
Vídeos com Dr. Drauzio Varella, o Zé Gotinha em visitas escolares e a divulgação da Caderneta Digital geraram reações mistas. Entre elogios ao SUS e celebrações de campanhas bem organizadas, também apareceram críticas à medicalização nas escolas e acusações de lobby com grandes laboratórios.
A campanha de vacinação nas escolas expôs, mais uma vez, as tensões entre ciência e negacionismo no Brasil contemporâneo. De um lado, o esforço do governo federal para ampliar o acesso às vacinas, proteger crianças e recuperar a confiança no Programa Nacional de Imunizações. De outro, uma resistência organizada, muitas vezes desinformada e ideologicamente motivada, que continua a desafiar políticas públicas em nome de uma suposta liberdade individual.
Neste embate, o papel da comunicação pública, das redes sociais e da educação científica torna-se ainda mais central. Em tempos de desinformação viral, vacinar é, também, um ato de resistência democrática.